Roberta Pinheiro

 

Psicóloga Judicial do Tribunal de Justiça de Minas Gerais, especialista em Mediação de Conflitos, entre outras áreas, Roberta Pinheiro é a nossa convidada da semana para compor a série de entrevistas do Moreno Pet Blog. Casada, mãe de três filhos, adora viajar, e cozinhar pratos especiais para os amigos e familiares. Os talentos são muitos, além de ser uma mulher elegante e de privilegiada inteligência. E um dos traços super bacanas desse caráter admirável: é apaixonada por animais, especialmente cães, gatos e a maioria dos demais mamíferos.

 

IMG_5351

 

“Vivemos um período de transição, onde a quantidade de informações recebidas e as necessidades de mudanças imediatas são constantes, não tendo como nos esquivarmos das mesmas, pois envolvem nossa sobrevivência e a preservação do planeta”

 

Marcos Moreno -Sempre começo com a mesma pergunta: algum fato te despertou para o amor aos animais ou foi sempre assim?
Roberta Pinheiro – Meu pai era fazendeiro e íamos à fazenda com freqüência. Cresci rodeada por aves, animais rurais e domésticos. No dia em que nasci ganhei meu primeiro pet: uma bezerrinha que nasceu na mesma data e recebeu o nome de Estrela. Na cidade, criava pintinhos comprados no Mercado Municipal, que recebiam nomes próprios e morriam por velhice. Junto aos pintinhos vieram os porquinhos da Índia, pássaros e muitos peixinhos.

Marcos– Você tem 3 cães da raça Shiba. Você pesquisou antes de optar por criar cães dessa raça?                                                       Roberta– Obtive as primeiras informações e imagens da raça Shiba Inu através de meus filhos, que desejavam ter um. Pesquisei bastante sobre a raça e participo, desde então, de três grupos na internet, formados por criadores, proprietários e admiradores da raça, onde trocamos experiências e fotos, além de obtermos informações importantes sobre o temperamento e os cuidados que devemos ter com eles. O Shiba é a raça mais popular no Japão na atualidade, mas quase foi extinto há alguns anos. Logo, os criadores costumam ser muito exigentes e criteriosos na preservação das suas características. No Brasil, ainda há poucos exemplares, embora estejam se tornando o cão da moda desde que a griffe Louis Vuitton lançou uma coleção completa de acessórios com imagens do Shiba como referencia a 2018; ano do Cão no Horóscopo Chinês. Na França, o tempo de espera em lista para comprar um filhote Shiba costuma ser de cerca de dois anos. Os Shibas são extremamente inteligentes, independentes e leais aos donos. É a raça canina que mais herdou características do DNA dos lobos e se comunica através de uivos em tons ritmados e gestos característicos. Sua expressão facial simula um grande e apaixonante sorriso. Quando filhotes são muito ativos e um tanto rebeldes. O dono precisa ter pulso firme na colocação de regras e limites. Nos primeiros meses de vida tendem a morder tudo que veem pela frente, requerendo que tomemos cuidado para não deixar objetos ao alcance deles. Também é preciso estar em uma fase mais desapegada (rsrs), porque a possibilidade de que eles estraguem mesas, sofás, sapatos e etc é muito grande. Porém, após o primeiro ano de vida se tornam obedientes, calmos e excelentes companheiros. O cruzamento da nossa primeira Shiba, a Amora, ocorreu em São Paulo, com um macho compatível com ela nos critérios rigorosamente analisados pelo proprietário do macho. Nasceram três filhotes, um dos quais pertencia, por direito, ao proprietário do padreador e foi comprado por um paulistano. Pretendíamos ficar com uma fêmea e vender o macho, mas me apaixonei por ele. São o Zion e a Raika, que estão com 05 meses. Além deles temos a Jolie, que é maltes e o gato Abel, que foi adotado e também é nosso xodó.

Marcos– Alguma história de seus animais te marcou mais?
Roberta– Após o falecimento precoce da minha mãe, quando eu tinha 09 anos, fiquei muito traumatizada e introspectiva, evitando me relacionar com as pessoas. Tinha um medo imenso de perdê-las e não ser capaz de suportar a dor causada pela falta das mesmas. Nessa época conheci o Kojak, um filhotinho SRD que também havia perdido a mãe. Nossa identificação foi imediata e intensa. Desde o dia que nos conhecemos até sua morte, treze anos depois, nunca nos separamos. Kojak teve uma contribuição fundamental para o restabelecimento da minha saúde psíquica e foi um companheiro inesquecível. Não poderia ter havido acontecimento, pessoa ou tratamento melhor para ter me ajudado a recuperar a alegria e a vontade de viver, assim como a reestabelecer a confiança nos seres humanos.

Marcos– Você acha que o estímulo humano ajuda o animal a desenvolver a inteligência ou isto é nato?
Roberta– Acredito que a estimulação humana pode ajudar o animal a desenvolver ao máximo as suas potencialidades natas, que são variáveis. A estimulação oferecida deve respeitar as particularidades e limitações dos animais.                                                                                                                                                                                                                           

 Marcos– Acredita que em um tempo futuro eles, os animais, serão respeitados tanto quanto os humanos?                                 Roberta– Creio que estamos caminhando para atingirmos um grau de maturidade coletiva onde haverá maior respeito a todas as espécies. Vivemos um período de transição, onde a quantidade de informações recebidas e as necessidades de mudanças imediatas são constantes, não tendo como nos esquivarmos das mesmas, pois envolvem nossa sobrevivência e a preservação do planeta. Porém, a velocidade em que estão acontecendo tais mudanças é mais rápida e complexa do que nossa mente é capaz de assimilar com elaboração efetiva e profundidade. É tempo de reavaliações, de tomar decisões relacionadas à quebra de vários paradigmas, que envolvem nossos valores éticos, morais, políticos, educacionais e até alimentares, sem que tenhamos sido preparados para tal. Confusos e frágeis, estamos nos aproximando, como nunca, dos animais, em especial dos cães e dos gatos, que nos aceitam e nos acolhem incondicionalmente. Não por acaso, em alguns países o número de animais de estimação já supera a quantidade de habitantes humanos.

IMG_3385

“…o limite entre o cultural e aquilo que o extrapola é difícil de ser explicitado, por se tratar de algo muito arraigado no indivíduo”

 

Marcos– Na Índia, a vaca é sagrada, na China cozinham-se cães vivos, no Brasil usam animais para divertir as pessoas à custa de sofrimento. O que é cultura e o que extrapola a questão cultural?
Roberta– A Cultura, em síntese, é o conjunto de crenças, costumes e tradições adotados pelos grupos sociais. Envolve atitudes, valores, experiências, religião e outros aprendizados, que são repassados para as próximas gerações. Portanto, o limite entre o cultural e aquilo que o extrapola é difícil de ser explicitado, por se tratar de algo muito arraigado no indivíduo. Horrorizamos-nos com chineses e tailandeses que comem cachorros, por exemplo, mas achamos natural ingerir carne bovina, costume abominável para os indianos. Tudo que envolve tortura, maus tratos e sofrimento dos animais tem sido questionado e repudiado, felizmente. Na atualidade, o uso de peles animais em peças de vestuário tornou-se símbolo de péssimo gosto, experiências químicas e medicinais com uso de animais têm sido evitadas ao máximo. Os espetáculos circenses de maior sucesso, como os do Circo de Soleil não exibem animais. As touradas estão sendo proibidas na Espanha, assim como as rinhas de galos no Brasil. Na Turquia, por questões religiosas, a presença de animais em casa é evitada. Em Istambul, os cães são catalogados e marcados com chips fixados nas orelhas. Acabaram se tornando pets de todos os moradores da cidade e dos turistas, sendo muito comum ver pessoas pararem nas ruas para acariciarem cães e gatos e cuidarem deles. Na Holanda não existem cães abandonados. As pessoas estão se tornando mais conscientes, especialmente, com o avanço de estudos que comprovam que os animais têm sentimentos. A ciência tem colaborado com soluções plausíveis que minimizam o sofrimento animal, no caso de abates, por exemplo, e buscado usar fontes não animais para a execução de suas pesquisas.

Marcos– Acredita que emoção pode ser um sentimento existente em animais?
Roberta– Já está comprovado cientificamente que os animais têm sentimentos, sendo que estes variam conforme o grau de complexidade cerebral de cada espécie. Os cães, gatos, macacos, golfinhos e tantos outros não apenas sentem emoções, como as demonstram, ainda que de modo mais rudimentar que os humanos. As emoções relacionadas a afeto, dor, predileção, alegria, angustia e ciúmes são as mais fáceis de serem identificáveis.

Marcos– Você adotaria um cachorro de rua?
Roberta– Com certeza. Na verdade, já tive três cães e dois gatos que, literalmente, conheci na rua, levei a um veterinário para checar a saúde e aplicar os cuidados necessários e adotei, com o mesmo amor e cuidado que tenho com os que comprei. O amor é construído e consolidado no dia a dia, independente da maneira como o animal foi adquirido.

Marcos– Que animal você jamais teria como pet?
Roberta– Tenho receio de animais selvagens que possam nos atacar e ferir seriamente. Acredito que, em algum momento, o instinto primitivo relacionado à personalidade nata, ainda que reprimido pelo condicionamento, possa vir à tona e colocar em risco os criadores. Em minha opinião alguns aspectos da personalidade humana e animal são imutáveis e não podem ser minimizados ou ignorados.

Marcos– Se tivesse que ter um animal selvagem, com qual você acha que se adaptaria melhor?                                                         Roberta– Não é relacionado a um animal selvagem, mas vou compartilhar uma experiência com vocês: Na minha residência há um corredor que dá acesso aos quartos, no qual havia uma lâmpada queimada. Um dia, quando saí do quarto pela manhã, havia um morceguinho pendurado justamente naquela lâmpada. Sempre tive horror de morcegos, mas resolvi observá-lo mais de perto. Você já viu a carinha de um morcego silvestre? São muito parecidos com filhotes de algumas raças de cachorro. Ele me olhou com seus olhinhos bem redondinhos e atentos, analisando qual seria a minha reação e não tive coragem de espantá-lo. Nos outros dias aconteceu do mesmo jeito. Quando acordávamos ele estava ali, na mesma lâmpada, quietinho. Afeiçoei-me a ele e passei a chamá-lo de Bananinha. A razão do nome se deve ao fato de que os morcegos são grandes polinizadores. Aliás, sem os morcegos, não poderíamos comer bananas, cajus, mangas e muitas outras frutas que são polinizadas somente por eles. Eles se alimentam apenas de néctar, frutos e insetos, não gostam de sangue, não transmitem doenças e nem nos mordem. Confesso que tive que me impor com os demais moradores da casa, que não aceitaram muito bem o meu novo mascote (rsrsrs). Felizmente, ele nunca abriu as asas e voou em nossa presença, senão haveriam gritos de todos, meus inclusive. Se em algum dia ele demorava a chegar, ou não aparecia, eu ficava preocupada e me aliviava quando no outro dia o encontrava no mesmo lugar. Ele morou na lâmpada queimada bastante tempo, até que um dia não voltou mais. Espero que esteja bem e tenha constituído uma linda família.

“Errado é comprar o “cão da moda”  e depois abandoná-lo ou doá-lo, porque não pesquisou e escolheu um animal com características que não são adequadas a sua realidade ou ao seu momento atual”

IMG_3297

Marcos– Pode deixar uma mensagem para os humanos em relação aos animais?
Roberta– Percebo que uma das consequências de nossa fragilidade frente ao momento global atual é que ainda estamos um tanto perdidos diante de tantas informações e necessidade de assimilações. Infelizmente, há pessoas que, de tão inseguras, estão reagindo de modo intolerante, radical e até agressivo com relação aquilo que não compreendem. Engajam-se em movimentos que humilham e excluem. Trazendo tal observação para a relação atual entre as pessoas e os cães, parece que na atualidade, para muitas pessoas, a única alternativa aceitável e correta de adquirir um animal é adotá-lo. Pretender comprar ou vender um cão de raça, para tais pessoas, é algo inaceitável e digno de agressões gratuitas. Vivenciei tal situação recentemente, quando eu e meus filhos anunciamos a venda dos filhotes da Amora em redes sociais. Muitos se acharam no direito de nos ofender e agredir verbalmente, como se estivéssemos cometendo um crime ao anunciarmos a venda dos filhotes. Sou muito favorável à adoção, assim como a castração segura de animais, de modo a evitar tantos abandonos. Também sou a favor do direito de usufruir de todo o conhecimento existente para escolher qual o tamanho, aparência e possível temperamento do animal com o qual pretendo conviver de modo muito próximo e responsável nos próximos dez ou quinze anos. Não há certo ou errado em uma ou outra escolha. Errado é adotar um animal que se vai abandonar depois, seja porque cresceu demais ou se tornou agressivo, por exemplo. Errado é tomar atitudes com duração de longo prazo sem planejamento e sem maturidade para resolver as dificuldades que surgirem. Errado é comprar o “cão da moda”  e depois abandoná-lo ou doá-lo, porque não pesquisou e escolheu um animal com características que não são adequadas a sua realidade ou ao seu momento atual. Sugiro que tenhamos muito respeito por todos os animais, independente de gostarmos deles ou não e que a escolha por um pet para morar conosco seja feita de modo muito responsável, para que ele jamais seja maltratado ou abandonado. Se possuir um animal de estimação não está em seus planos, siga o exemplo dos turcos que moram em Istambul, dê alimentos, carinho e respeito aos animais que estão abandonados, patrocine um tratamento, uma castração, auxilie uma ONG… Juntos podemos ser a diferença na vida desses animais tão evoluídos espiritualmente e que nos fazem tão bem

2d e respostas

Add a Comment

Your email address will not be published. Required fields are marked *