Rodolfo Nogueira

Meu pequeno grande pet

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A cidade de Uberaba, que abriga um grande centro de paleontologia, já é notícia por esse motivo em grande parte do mundo. Recentemente ganhou destaque na mídia internacional pelo trabalho de Rodolfo Nogueira em paleoarte, uma modalidade da ilustração científica voltada para a representação de animais extintos. “Brilhante” é um substantivo comum para qualificar seu trabalho, seu talento, sua postura. Genial? Sim, acho que genial, brilhante, fabuloso. Muitos adjetivos juntos talvez pudessem dar uma noção melhor do trabalho de Rodolfo. Apresentá-lo aos que acompanham o blog fica difícil para mim, porque corro o risco de ficar muito faltoso a esse grande talento. Melhor deixar que o leitor confira a genialidade desse rapaz que vive em Uberaba, tem reconhecimento internacional e se orgulha de viver aqui.

 

“Acredito que a natureza ou Deus, essa energia criadora tem uma linguagem natural para indicar quando estamos em harmonia com todas as coisas…”

 
Marcos Moreno– Você tem sido destaque na mídia internacional em função do seu trabalho fantástico em “paleoarte”. Para quem não está acostumado com o termo, o que é “paleoarte”?
Rodolfo Nogueira – Paleoarte é uma modalidade da ilustração científica voltada para a representação de animais extintos. É a tradutora dos dados da paleontologia em imagens mais fáceis de serem entendidas pelo público. Sendo assim é a única forma de se visualizar o passado extinto da Terra.

Marcos– De onde vem o interesse por dinossauros?
Rodolfo– Quando eu tinha 6 anos fui levado a um lugar especialmente mágico. Nesse lugar havia cachoeiras cristalinas, ruínas antigas e dragões gigantes com ossos de cristal! Havia também caçadores de dragões. Eles se intitulavam paleontólogos e chamavam os dragões de dinossauros, o lugar mágico era Peirópolis (um bairro da cidade de Uberaba-MG). Eu fiquei maravilhado e comecei a estudar aqueles tais dragões chamados dinossauros. Fui uma criança que vivia desenhando pelos cantos até com a marca que a luz deixa no fundo dos olhos, eu tinha muitas dores de cabeça e traços de autismo. Mais tarde, minha mãe, preocupada com minhas dores e ansiedade me matriculou em um curso de desenho. Foi quando descobri que desenhar não era dom e que eu poderia tirar qualquer coisa da minha cabeça e colocar na realidade. Na mesma época, por volta dos 11 anos assisti o filme Dinossauro da Disney e foi como um chamado para desenhar dinossauros.

Marcos– Em algum momento da sua vida você foi considerado uma criança diferente, talvez difícil, em função do seu interesse por animais extintos?
Rodolfo– Fui uma criança um pouco peculiar, muito ansiosa, tinha traços de autismo e de hiperatividade, enxaqueca, tomava remédios controlados e vivia pelos cantos desenhando. Os colegas da escola rapidamente me associavam a dinossauros, mas todos acabavam respeitando o gosto obsessivo.

Marcos– Efetivamente, como começou seu trabalho?
Rodolfo– Quando entrei na Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho” em Bauru, resolvi usar o tema que eu mais gostava para me motivar a aprender o que precisava. Fiz então um projeto de pesquisa em parceria com a Biologia. Ao fim da pesquisa havia desenvolvido uma metodologia para recriar um animal extinto de forma mais acurada cientificamente. Ela foi batizada de Paleodesign. Antes mesmo de concluir a pesquisa e graduação, fui convidado pelo Prof. Dr. Luiz Carlos Borges Ribeiro para reconstruir um esqueleto de um grande dinossauro, na época recém descoberto na região de Uberaba. Mais tarde batizaram este dinossauro pescoçudo de Uberabatitan ribeiroi e se revelou o maior dinossauro já registrado no Brasil com 25m de comprimento. Gradualmente mais trabalhos foram aparecendo e rapidamente estava trabalhando exclusivamente com Paleoarte.

Marcos– No seu currículo acumulam-se vários prêmios. Para exemplificar, como foi saber que recebeu o prêmio da Society of Vertebrate Paleontology?
Rodolfo -Felizmente tive oportunidades de reconhecimentos surreais que hoje já reúnem 9 prêmios internacionais incluindo dois Lanzendorf – National Geographic PaleoArt Award promovido pela SVP – Society of Vertebrate Paleontology. Um em 2015 de Ilustração Científica e agora em outubro de 2018, de animação. Para mim é um dos maiores reconhecimentos que eu poderia ter já que a SVP é maior sociedade de paleontologia do mundo e, portanto reúne grandes nomes da paleontologia. É muito lisonjeiro e ao mesmo tempo nem parece real.

Marcos– Você pode falar um pouco sobre o projeto Megafauna idealizado pelo documentarista Tulio Schargel?
Rodolfo- Ah este projeto é magnifico! Túlio Schargel é um grande realizador e tenho a honra de dizer amigo e mentor. Em 2005, ele descobriu um esqueleto completo de uma preguiça gigante dentro de uma caverna na chapada diamantina e fez um premiado documentário da sua expedição que resgatou mais de 4 mil fosseis e que depois foi exibido em mais de 60 países. Ele criou então o Megafauna que é um projeto feito pelo programa Proac e que já levou o documentário e uma palestra repleta de réplicas e ilustrações em 5 edições à mais de 30 mil pessoas de 18 cidades do interior do estado de São Paulo. Ele me convidou então para acompanhá-lo e ensinar as pessoas a reconstruírem os animais extintos da megafauna através de ilustrações e esculturas.

Marcos– Você percebe se hoje existem mais crianças interessadas em desenvolver atividades relacionadas à paleontologia em suas várias frentes de pesquisas e trabalhos?
Rodolfo– Certamente! Nunca houve tanto movimento e divulgação sobre paleontologia. A mídia percebeu que esses dragões misteriosos chamam muito atenção e ajudam inclusive a ensinar conceitos evolutivos e biológicos às pessoas. Por ter muita divulgação, mais crianças agora têm acesso e são tocadas pela força, dimensões e mistérios da pré-história.

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Marcos– Você está produzindo um grande livro, cujo trabalho foi adiado para que você pudesse empreender outro para a Alemanha, se não me engano. Há previsão de término do livro e de seu lançamento?
Rodolfo– O Livro “O Brasil dos Dinossauros” foi lançado em dezembro de 2017 pela Editora Marte e é um dos finalistas do maior prêmio de literatura do Brasil, o Prêmio Jabuti. Foram 5 anos de trabalho intenso em parceria com o Prof. Dr. Luiz Eduardo Anelli (USP) e orgulhosamente afirmo que fizemos um livro sem precedentes sobre a incrível história do Brasil antes da história. O livro que eu mesmo gostaria de ter lido quando me apaixonei pelos dinossauros.

Marcos– Você já pensou que um dia poder trabalhar com Steven Spielberg?
Rodolfo– Steven Spielberg para mim é uma das mentes mais brilhantes do planeta na atualidade e um dos maiores contadores de estória que a humanidade já viu. Foi um dos grandes responsáveis pelo maravilhoso que me aconteceu quando assisti seu Jurassic Park ainda criança. Certamente já passou pela minha cabeça trabalhar para ajudar a recriar as feras da mente dele mas nunca como crença de que um dia acontecerá. Rsrs

Marcos– Que perspectivas tem o Museu de Paleontologia de Peirópolis em termos de turismo?
Rodolfo– Uberaba foi teto do maior brasileiro de todos os tempos, Chico Xavier e também é mesa para os maiores negócios relacionados ao gado Zebu do planeta. Uberaba está ainda sobre a formação Marilia e formação Uberaba, estas são rochas com grande potencial de se encontrar fosseis e eles são de fato encontrados por toda parte inclusive dentro da malha urbana da cidade. Estas três frentes garantem à região um grande potencial turístico já que é uma das únicas cidades do país que abrigam assuntos tão especiais e importantes. Por isso estamos em processo agora para receber o selo da UNESCO de Geopark Mundial o que certamente potencializará o turismo na cidade. O Geopark Uberaba – Terra de Gigantes terá seus mais de 14 sítios com interesse geológico, histórico e cultural sinalizados e revitalizados em breve para atrair a atenção do país todo para a riqueza deste lugar que certamente todos merecem conhecer.

Marcos– Como você lida com esse reconhecimento internacional, vivendo em Uberaba?
Rodolfo– Tenho um verdadeiro apego pela cidade de Uberaba. As pessoas muito frequentemente me elogiam dizendo coisas do tipo “você está desperdiçado aqui em Uberaba!” ou “se você se mudasse para um grande centro seria mais fácil”. Fico lisonjeado de pensarem que eu mereceria estar no exterior ou em uma capital, porém acredito no potencial da nossa cidade como capital dos dinossauros do Brasil e se eu desenvolvi a habilidade de desenhar e me interesso tanto pelo tema, sinto-me na obrigação de fazer por nossa comunidade e honrar os que vieram antes de mim e preparam o terreno, explorando os fósseis que estão sob nossos pés, erguendo laboratórios, espaços, mobilizando milhares de mentes para levar nossas riquezas não só para nossos conterrâneos, mas ao mundo inteiro. Essa é minha luta também. Quando pessoas de fora reconhecem o valor do nosso trabalho, os mais próximos também o fazem, dessa forma fico muito mais grato ainda pelos prêmios e trabalhos no exterior.

Marcos– Animais de sangue frio são descendentes longínquos dos dinossauros?
Rodolfo– Na verdade os únicos animais que descendem dos dinossauros são as aves. Todas elas são “filhas” de um dinossauro semelhante ao Velociraptor do filme Jurassic Park. As aves mantêm a temperatura do corpo em torno de 40º C indicando que os dinossauros também deveriam ser endotérmicos, ao menos os carnívoros terópodas.

Marcos– Não é tão raro encontrar hoje pessoas que criam iguana, por exemplo, como um verdadeiro pet. Você acha que é muita loucura considerar um bicho desses como pet?
Rodolfo– Muitas pessoas criam pássaros em gaiolas, galinhas e até mutuns de estimação, esses são de fato dinossauros tratados como pet. Rs! Algumas aves como os corvos têm inteligência comparável à de primatas e golfinhos, eles possuem um cérebro muito bem desenvolvido inclusive para estruturas sociais e, portanto com algum grau de envolvimento sentimental ou estabelecendo vínculos de comportamento de rotina com seus donos. O mesmo não se aplica à répteis como iguanas ou serpentes, porém já vi vídeos até de peixes curtindo um carinho e crocodilos estabelecendo uma relação de confiança e respeito com humanos. Não acho loucura, mas precisamos lembrar que são animais selvagens e nunca domesticáveis, sendo assim um jacaré em determinadas condições pode gostar de um braço como petisco. Devemos lembrar também que cuidar da natureza é melhor que cuidar de um animal silvestre.

Marcos– Você percebeu que estou tentando trazê-lo para o espírito do blog, mas acho que é impossível. Enfim, passamos por milhões de anos, evoluímos, nos tornamos animais irracionais e racionais. E até criamos os “pets”. É possível que haja outra grande extinção e comece tudo de novo por aqui?
Rodolfo– Na verdade cientistas afirmam que a taxa de extinção está mil vezes acima da natural neste momento. Isso quer dizer que estamos verdadeiramente passando por uma extinção em massa. O planeta sempre viveu e viverá em ciclos periódicos de maior e menor abundância de formas de vida. Esses ciclos são definidos por atividade solar, movimentos tectônicos, asteroides, grandes epidemias e competição entre espécies. Outras extinções em massa da vida na Terra certamente acontecerão, a questão é quando. E provavelmente um desses “quandos” é agora. Mas citando o personagem Ian Malcom no filme “Parque dos Dinossauros” (1993), “A vida encontra um meio” e prosperará novamente através de novas formas, hábitos e tamanhos, quem sabe mais incríveis até que os Dinossauros.

Marcos– Peço a todos os meus entrevistados uma mensagem para os humanos. O que você poderia dizer?
Rodolfo– Minha bandeira é a de que podemos ter todo sucesso, realizações e riquezas que quisermos e o grande atalho para isso é fazer o que mais gostamos. Acredito que a natureza ou Deus, essa energia criadora tem uma linguagem natural para indicar quando estamos em harmonia com todas as coisas (em equilíbrio com o meio) e é o prazer, a alegria, sendo assim, se encontrarmos o tema que mais gostamos, desenvolvermos uma habilidade que temos predisposição e ainda quisermos fazer isso pelos outros, então qualquer sonho de qualquer tamanho parece ser possível. Foi pensando assim que cheguei a ter gigantes de 25 m de estimação ;). Muitíssimo grato pela oportunidade e honra de falar contigo Marcos e com seus eleitores.

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