Sobre abate de fêmeas gestantes

Regulamentação de abate de fêmeas gestantes é inconstitucional e pode aumentar o número de vacas prenhas abatidas, dizem especialistas
Fiscais agropecuários e ONGs pedem revogação do artigo 7° da nova norma

A Associação dos Fiscais Agropecuários do RS (Afagro) e as organizações de proteção animal Animal Equality, Alianima, Fórum Nacional de Proteção e Defesa Animal, Instituto Ambiental Ecosul, Mercy For Animals e Sinergia Animal estão encaminhando hoje para o Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA) uma carta de repúdio ao artigo 7o da Portaria 365 de 16 de julho de 2021, pedindo sua revogação. O artigo normatiza o abate de fêmeas em fase final de gestação, o que é considerado uma prática de maus-tratos e, portanto, uma violação ao artigo 32 da Constituição Federal que proíbe a crueldade animal.

Em nota de repúdio, as organizações dizem que “é inaceitável e lamentável que o MAPA faça uso de uma Portaria que trata de abate humanitário e bem-estar animal para permitir o abate de fêmeas em fase final de gestação e de seus fetos”. https://animalequality.org.br/nota-de-repudio/.

O transporte é considerado um grande desafio do bem-estar animal, por ser uma etapa extremamente estressante na vida dos animais destinados ao consumo humano, sendo ainda mais prejudicial para as fêmeas gestantes. Não é realista pensar que os produtores irão providenciar condições especiais de transporte para as fêmeas prenhes. O peso do útero e do feto de uma vaca prenhe, por exemplo, pode chegar a 75 quilos e a um volume de 60 litros, o que torna o transporte extremamente exaustivo.

“É inadmissível que o Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento que deveria zelar pela proteção dos animais criados para consumo humano publique uma norma que legalize uma prática de maus-tratos, ferindo o que está disposto na Constituição e na Lei de Crimes Ambientais que garantem a proteção a todos os animais”, diz Carla Lettieri, diretora da Animal Equality.

A publicação da Portaria 365 surpreendeu os especialistas que vinham se mobilizando para denunciar o aumento do número de vacas prenhas abatidas desde de 2017, quando foi alterado o Regulamento de Inspeção Industrial e Sanitária de Produtos de Origem Animal (RIISPOA), permitindo o uso de carne de fêmeas prenhes para consumo. De 2017 a 2020 o abate de vacas no terço final da gestação aumentou em 1.270%, de acordo com dados da Secretaria da Agricultura, Pecuária e Desenvolvimento Rural do Rio Grande do Sul.

“O abate de vacas em fase final de gestação traz um grande sofrimento também para os colaboradores envolvidos neste processo. É comum trabalhadores de frigoríficos relatarem aos fiscais a grande tristeza que sentem diante das cenas em que o feto, ainda dentro do útero, se debate na barriga da vaca durante a sangria”, diz Raquel Cannavô, médica veterinária, fiscal estadual agropecuário e representante da Afrago. “Estas cenas também geram um abalo psicológico muito grande para os fiscais agropecuários, que se sentem impotentes diante desta situação, em que não conseguem cumprir com um dos seus deveres, de exigir que sejam usados procedimentos humanitários para evitar sofrimento aos animais”, completa.

Em maio deste ano, organizações de proteção animal, juntamente com fiscais agropecuários e pesquisadores especialistas em bem-estar animal enviaram uma carta aberta ao MAPA pedindo a proibição do transporte e abate de fêmeas em fase final de gestação, explicando tecnicamente porque essa proibição deveria ser feita.

“Não há nenhum estudo que garanta que os fetos no terço final da gestação não sofrem durante o abate da fêmea, pois ainda não temos uma ferramenta confiável para avaliar a dor fetal. Na dúvida, é melhor adotar o princípio da precaução e assumir que sim, eles sofrem. Desta forma, além dos problemas relacionados ao bem-estar das fêmeas durante o transporte, também devemos nos atentar a essa questão dos fetos” explica o professor Mateus Paranhos, signatário da carta enviada em maio e um dos maiores especialistas em bem-estar animal no Brasil, do Departamento de Zootecnia, da Faculdade de Ciências Agrárias e Veterinárias (Unesp de Jaboticabal).

A nota de repúdio aponta também para o retrocesso da portaria já que em alguns Estados já é proibido o transporte ou abate de animais em período gestacional. O Código de Defesa e Bem-estar Animal da Paraíba, por exemplo, entende como maus-tratos abater animais em período gestacional, desde seu início até o fim (art. 7, § 2º, inciso VII). Já o Código de Proteção Animal do Estado de São Paulo veda transportar animais com mais da metade do período gestacional (art. 16, VI).

Sobre a Animal Equality – A Animal Equality é uma organização internacional que trabalha junto à sociedade, governos e empresas para acabar com a crueldade contra animais de criação. Nesta quinta-feira (5/8), às 19 horas, a organização realizará um debate sobre os impactos da Portaria. A transmissão será feita pelo Youtube e Facebook da Animal Equality. Estarão presentes Raquel Cannavô, médica veterinária, fiscal estadual agropecuário e representante da AFAGRO; Vânia Nunes, médica veterinária, diretora técnica do Fórum Nacional de Proteção e Defesa Animal; Vicente Ataíde, juiz federal, doutor em Direito Processual Civil; Mateus Paranhos, Zootecnista, pós-doutorado em Bem-Estar Animal na Universidade de Cambridge e professor adjunto na Faculdade de Ciências Agrárias e Veterinárias da UNESP.

Sobre a Alianima – Organização de proteção animal e ambiental que atua na redução do sofrimento de animais impactados pela ação humana, e para refrear a degradação dos ecossistemas brasileiros. Adota uma perspectiva não-antropocêntrica e embasamento técnico-científico para compor suas ações.

Sobre o Fórum Nacional de Proteção e Defesa Animal – Fórum Nacional de Proteção e Defesa Animal é uma organização fundada há 21 anos, que conta com uma equipe multidisciplinar, incluindo médicos-veterinários, pesquisadores, especialistas em marketing, comunicação, gestão de projetos, advogados e biólogos. Além disso, tem uma rede de apoio de outras ONGs por todo o país. São mais de 100 organizações parceiras que atuam pelo meio ambiente e a proteção animal no Brasil. São ONGs independentes, mas com as quais temos estreita parceria.

Sobre o Instituto Ambiental Ecosul – localizado em Florianópolis/SC, tem como missão “Promover e difundir a preservação ambiental e o bem-estar animal em SC” e é membro do “GEDDA-Grupo Especial de Defesa dos Direitos dos Animais do MPSC”.
Tem acentuada e reconhecida atuação na defesa dos direitos animais e pratica o ativismo de resultados. Por acreditar que esta imensa tarefa situada entre as obrigações do Estado, os interesses do mercado e as demandas sócio ambientais não é para um grupo de obstinados voluntários isoladamente, se posiciona a princípio como parceiro estratégico dos segmentos públicos, privados e não governamentais para, em regime de corresponsabilidade, buscarem a melhoria da qualidade de vida para todos os seres vivos.

Sobre a Mercy For Animals – Fundada há mais de 20 anos nos Estados Unidos e presente no Brasil desde 2015, a Mercy For Animals (MFA) é uma das principais organizações sem fins lucrativos do mundo dedicada a combater a exploração de animais para consumo, especialmente em fazendas industriais e na indústria da pesca. A MFA trabalha para transformar o atual sistema alimentar e substituí-lo por um modelo que seja mais compassivo com os animais e garanta um futuro melhor para o planeta e todos que o habitam. Atualmente, a Mercy For Animals também opera em outros países da América Latina, no Canadá e na Índia.

Sobre a Sinergia Animal – A Sinergia Animal é uma organização internacional de proteção animal que trabalha em países do Sul Global para reduzir o sofrimento de animais na pecuária e promover escolhas alimentares mais compassivas. A entidade é reconhecida como uma das mais eficazes do mundo em seu campo de atuação pela Animal Charity Evaluators (ACE).

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