Como Cuidar de um Bebê Elefante

Apaixonado que sou pelos elefantes, fiz torcida ontem para que o Oscar de Melhor Curta Documentário fosse para esse filme, “que está na Netflix há três meses, e somente após as indicações teve a adesão que merecia”.

Sim, eu adoro cinema e elefantes, mas não me considero capaz de fazer uma crítica tão sensacional como a que fez o jornalista Francisco Carbone, que antes mesmo de pedir sua permissão, reproduzo aqui no blog.

“Sabemos que esses curtas ‘netflixianos’ de curta-metragem tem muito pouco na verdade (aqui são 40 minutos, logo, um média), mas dificilmente o streaming tem ficado de fora dessa categoria. Mas aqui estamos diante de um tipo de documentário que o estadunidense faz pouco, não à toa trata-se de uma produção indiana. Daí também nasce o sentido etnográfico do material, uma imersão não somente em um país que é explorado pelo exotismo, mas principalmente em um cinema com outras exigências.
Não dá pra chamar o que é feito por Kartiki Gonsalves de ‘cinema de fluxo’, embora ele pegue emprestado alguns elementos do gênero. Há uma primazia por acompanhar uma rotina selvagem da maneira menos intrusiva possível, capturando as ações a partir do que ela nos fornece, e não exigindo do espaço um comportamento de qualquer ordem. O que é filmado, apesar de soar extraordinário, só o é para o olho do espectador, que entra naquele universo pela primeira vez. Tudo que ali habita é de origem não-espetacular, nosso contato com os protagonistas (homens ou animais) têm acesso naturalista e o que está em voga é justamente esse rasgo para o ocidental, através de algo que culturalmente nos é caro: amar todas as criaturas com igual desvelo.
O filme, nos tais 40 minutos que temos de encontro, passeia por mais de três anos da vida de Bomman e Bellie, dois cuidadores de animais de grande porte no sul da Índia que são indicados pelo governo para tratar de Raghu, um filho de elefante órfão encontrado quase sem vida após a morte da mãe. Eles não se conheciam anteriormente, e esse tratamento faz nascer entre eles um sentimento genuíno de paternidade, e o que começou como um trabalho que eles executam com destreza, se transforma na mais disfuncional das famílias. Gonsalves não precisa exigir muito dos seus personagens, porque tudo está exposto e é completamente compreensível. A micro aldeia onde vivem dentro da reserva florestal, os encontros com a natureza, ora afetuosa e ora inclemente, os laços que surgem de um afeto incomum, está tudo registrado.
O filme ainda costura muito bem as particularidades de seus protagonistas humanos. É Bellie, por exemplo, quem relata a aproximação do casal, com sutileza e parcimônia; Bomman se abre a respeito do amor que sente pelos filhos paquidermes, e é a partir desse amor que investigamos sua capacidade de sentir. A partir da metade da produção, Raghu ganha em Ammu uma irmãzinha, que igualmente se torna parte da família. O filme os mostra com a mesma dinâmica de uma casa comum: o mais velho se enciuma da recém chegada, e aos poucos essa aproximação passa a não gerar mais discórdia. Como Cuidar de um Bebê Elefante não trata seus personagens com desconfiança; são quatro solitários unidos pelo mais sincero dos sentimentos.
Além de tudo, Como Cuidar de um Bebê Elefante não os ameniza de suas dores expostas, nem paternaliza seus protagonistas. Sim, eles têm motivos de sobras para sofrer, encontram-se em situações eventualmente insustentáveis, mas arranca beleza e pacifismo desse amor. É um grupo que se encontrou de maneiras adversas para destrinchar entre si códigos muito puros de convivência, cumplicidade e compaixão, dividindo uma vida em comum. Testemunhas dessa relação, outros animais e a tal natureza exuberante do sul da Índia emolduram um filme que poderia ser muito mais simples do que é, mas que pode ser facilmente traduzido como uma força elemental em busca de um afeto que não era encontrado com facilidade, e nasceu de maneira tão espontânea quanto a vastidão natural que os cerca.”

Francisco Carbone
Jornalista, crítico de cinema

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